Durante quase uma década, a escritora e palestrante Patricia Fonseca viveu à espera de um novo coração — e, com ele, de uma nova chance para reescrever sua história. Diagnosticada ainda jovem com uma cardiopatia congênita, a condição progressivamente comprometeu sua capacidade de falar e realizar tarefas cotidianas. Aos 29 anos, Patricia recebeu a notícia que mudaria sua vida: apenas um transplante cardíaco poderia salvá-la.
“Eu sentia ansiedade, insegurança, e me perguntava como iria viver com um órgão que antes estava em outra pessoa”, relembra a escritora em entrevista exclusiva à CNN, em alusão ao Dia Mundial do Paciente Transplantado, comemorado nesta sexta-feira (6).
De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2024, mais de 40 mil pessoas aguardam na fila por um transplante de órgão no Brasil, um dado que reforça a importância da data e da conscientização sobre a doação de órgãos.
Uma Longa Espera Pela Vida
Antes do transplante, Patricia tentou todas as alternativas terapêuticas possíveis. Contudo, a evolução de sua doença a levou a enfrentar quase dez anos de espera, marcados por internações frequentes e situações críticas. Em um desses episódios, foi hospitalizada em estado grave no Hospital do Coração (Hcor), em São Paulo.
“Para que o transplante ocorra, é necessário encontrar um doador compatível, levando em consideração o tipo sanguíneo, o tamanho e a idade”, explica o cirurgião Paulo Pego Fernandes, do Hcor. Segundo o médico, a fila de espera é longa e, infelizmente, muitos pacientes acabam agravando sua condição clínica antes de receberem o transplante, o que reforça a necessidade constante de campanhas de conscientização para doação de órgãos.
Patricia recorda que, mesmo diante da incerteza, aprendeu a valorizar a vida durante o período de internação. “Com o apoio da equipe, comemorei o Dia dos Namorados, meu aniversário. A vida não estava em espera, mas acontecendo”, relata.
A Redescoberta Através do Esporte
Após a realização da cirurgia, Patricia encontrou no esporte uma nova paixão. Segundo Paulo Pego Fernandes, a melhora da função cardíaca após o transplante permite que muitos pacientes pratiquem atividades físicas que antes lhes eram inviáveis.
Determinada, Patricia abraçou o triatlo e conquistou um feito histórico: tornou-se a primeira transplantada cardíaca brasileira a participar oficialmente de uma competição na modalidade. Em sua estreia, nadou 400 metros, pedalou 32 quilômetros e correu 5 quilômetros, desafiando limites e inspirando muitos.
Sua trajetória foi eternizada no livro Coração de Atleta, no qual compartilha os desafios da espera, a convivência com a incerteza e as conquistas proporcionadas pela nova vida.
Outras Histórias de Superação
O caso de Patricia é acompanhado de perto pelo mesmo cirurgião que também trata outros transplantados, como Marcelo Faustino Martinelli, de 44 anos. Engenheiro de formação, Marcelo também enfrentou anos de espera até receber seu novo coração em fevereiro deste ano. Em processo de recuperação, lida com os desafios do pós-operatório, como a baixa imunidade e a necessidade de cuidados rigorosos com o contato social.
“Antes, eu me sentia mais cansado, com a sensação de coração fraco. Agora, a maior preocupação é evitar infecções devido à baixa imunidade”, relata Marcelo.
Para o cirurgião Paulo Pego Fernandes, o impacto do transplante vai além da recuperação física. “O transplante muda completamente a perspectiva e a qualidade de vida dessas pessoas”, afirma.
Avanços e Desafios na Doação de Órgãos no Brasil
Em 2024, o Brasil ultrapassou a marca de 30 mil transplantes realizados, segundo dados do Ministério da Saúde, um crescimento de 18% em comparação a 2022 e um recorde que supera os índices registrados antes da pandemia de Covid-19.
Apesar do avanço, o aumento do número de doadores de órgãos ainda representa um desafio considerável. Um dos principais obstáculos é a necessidade de autorização da família para a doação pós-morte. De acordo com o Ministério da Saúde, apenas 55% das famílias entrevistadas em 2024 consentiram com a doação de órgãos de seus entes falecidos.
Histórias como a de Patricia Fonseca e Marcelo Faustino Martinelli ilustram a importância vital da doação de órgãos e a transformação profunda que um transplante pode proporcionar. Em um cenário em que milhares aguardam por uma nova oportunidade de viver, campanhas de conscientização e políticas públicas voltadas para a ampliação da doação se mostram cada vez mais essenciais.
