A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou, nesta sexta-feira (13), a inclusão de um novo efeito adverso considerado muito raro nas bulas dos medicamentos que contêm semaglutida, como Ozempic, Wegovy e Rybelsus. O alerta está relacionado à possibilidade de desenvolvimento da neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (Noiana), uma condição que pode provocar perda súbita e irreversível da visão.
A decisão veio após a análise do Comitê de Avaliação de Risco em Farmacovigilância (PRAC) da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que identificou a Noiana como um possível efeito adverso associado à semaglutida.
No Brasil, o sistema de notificação de eventos adversos da Anvisa, o VigiMed, já registrou 52 relatos de distúrbios oculares possivelmente relacionados ao uso desses medicamentos.
Posição da fabricante
A farmacêutica Novo Nordisk, responsável pelos medicamentos à base de semaglutida, declarou que a substância foi estudada em ensaios clínicos robustos, envolvendo mais de 52 mil participantes, além de dados de uso real que somam 33 milhões de pacientes-ano.
Segundo a empresa, não há uma relação causal comprovada entre a semaglutida e a neuropatia óptica. A farmacêutica reforça que, com base no total de evidências disponíveis, o perfil de risco-benefício dos medicamentos permanece favorável. A empresa também confirmou que está em contato com a EMA e com a Anvisa, colaborando com as atualizações das bulas.
Tirzepatida (Mounjaro) também está sob investigação
Além da semaglutida, o princípio ativo tirzepatida, presente nos medicamentos Mounjaro e Zepbound, também foi associado a eventos oftalmológicos em uma pesquisa recente publicada na revista científica JAMA Ophthalmology.
O estudo relatou nove casos de pacientes que desenvolveram problemas oculares após o uso desses medicamentos. Desses, sete desenvolveram Noiana, um apresentou papilite e outro foi diagnosticado com maculopatia média aguda paracentral — todas condições que afetam o nervo óptico e podem levar, em alguns casos, à perda de visão.
Apesar disso, os autores do estudo não recomendaram a suspensão dos medicamentos de forma geral, mas reforçaram a importância de que pacientes procurem avaliação médica imediata ao notarem qualquer alteração na visão.
O que pode explicar essa associação?
O professor Bradley Katz, do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade de Utah, explicou que o estudo não foi desenhado para estabelecer uma relação de causa e efeito definitiva. Além disso, os pacientes avaliados — todos entre 50 e 60 anos — já apresentavam fatores de risco, como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, que, isoladamente, já são conhecidos por aumentar o risco de complicações oculares.
Outro ponto levantado pelo endocrinologista brasileiro Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, é que a queda rápida e acentuada da glicose, promovida por esses medicamentos, pode ser um fator de risco adicional.
“Sabemos há décadas que, em pessoas com grande descontrole glicêmico, a normalização muito rápida da glicose pode desencadear complicações oftalmológicas”, afirmou Couri ao Estadão.
E agora?
Couri reforça que a relação direta entre o uso desses medicamentos e os eventos oculares ainda não está comprovada. Diante do elevado número de pessoas que fazem uso desses medicamentos em todo o mundo, o número de relatos de problemas visuais é considerado pequeno.
A orientação, até o momento, é que não há motivo para interromper o tratamento, mas qualquer alteração na visão deve ser imediatamente comunicada ao médico. Estudos mais robustos e específicos devem ser conduzidos para avaliar os efeitos de longo prazo da semaglutida e da tirzepatida sobre a saúde ocular.