O canabidiol (CBD), composto derivado da planta Cannabis sativa, tem se consolidado como uma alternativa eficaz no controle das crises de epilepsia refratária — condição em que os pacientes não respondem aos tratamentos convencionais.
De acordo com um artigo de revisão sistemática conduzido por Bruno Fernandes Santos, doutor pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o uso do canabidiol demonstrou uma redução média de 41% nas crises convulsivas, uma eficácia 127% superior ao grupo placebo, cuja média de redução foi de apenas 18,1%.
O estudo, publicado na revista Acta Epileptologica, analisou seis pesquisas selecionadas nas bases PubMed/Medline, Scielo e Google Scholar, que cumpriam critérios rigorosos de qualidade científica. A conclusão reforça o potencial do CBD no manejo da epilepsia farmacorresistente — condição que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afeta cerca de 2% da população mundial.
Desafios no acesso pelo SUS
Apesar dos avanços científicos, o tratamento com canabidiol ainda não é amplamente oferecido na rede pública de saúde no Brasil. Embora alguns estados tenham desenvolvido programas próprios para fornecer o medicamento via Sistema Único de Saúde (SUS), não há uma política pública federal que garanta acesso uniforme ao tratamento, o que gera desigualdade no atendimento de pacientes que dependem dessa alternativa.
“O não estabelecimento de um plano federal limita as alternativas dos pacientes com epilepsia refratária hoje”, afirma Bruno Santos.
Mecanismo de ação do canabidiol
O médico explica que a epilepsia pode ter diversas causas, como tumores, malformações cerebrais ou degenerações, como na esclerose mesial temporal, que afeta o hipocampo.
O canabidiol age no sistema endocanabinoide, um complexo sistema biológico descoberto em 1992, responsável pela modulação de processos como dor, inflamação, sono, apetite, humor e, principalmente, a excitabilidade neuronal.
O sistema é composto por receptores como CB1 e CB2, presentes em várias partes do organismo, incluindo o cérebro. A atuação do CBD nesses receptores ajuda a regular a atividade elétrica excessiva, característica das crises epilépticas.
“É uma lógica semelhante às medicações anticonvulsivantes tradicionais, que atuam bloqueando canais de sódio para reduzir a excitabilidade das células. O canabidiol faz isso por uma via diferente, mediada pelo sistema endocanabinoide”, explica Santos.
Canabidiol não é solução para tudo
Santos também faz um alerta importante: apesar da eficácia comprovada no tratamento da epilepsia refratária, o canabidiol não deve ser encarado como um medicamento milagroso para todas as doenças.
O pesquisador critica a banalização do uso indiscriminado do CBD por alguns profissionais. “Existe uma diferença enorme entre um médico especialista que escolhe o melhor tratamento para uma doença, e um médico que é especialista em um único tratamento e tenta aplicá-lo para tudo”, pontua.
Ele também demonstra cautela quanto ao uso de CBD para outras condições, como o transtorno do espectro autista, cuja eficácia ainda não possui respaldo científico robusto.
Ciência além de ideologias
Para o pesquisador, o debate sobre o uso medicinal do canabidiol deve ser guiado pela ciência e não por ideologias, achismos ou pressões comerciais. “Esse estudo traz relevância e mostra que há evidência científica robusta para o uso do CBD na epilepsia refratária. Quando fugimos da ciência, o debate vira uma questão política baseada em opiniões e não em fatos”, conclui.