O Ministério da Saúde, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) lançaram, em parceria, a nova edição da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2025 (DMB), o mais amplo levantamento já realizado sobre o perfil da classe médica no país. O estudo reúne informações sobre formação, especialização, vínculos profissionais, distribuição geográfica, produção cirúrgica e renda, consolidando uma base de evidências para a formulação de políticas públicas na saúde.
Coordenado pelo professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, o estudo tem como objetivo central subsidiar estratégias de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como mapear desafios na formação e fixação de médicos, especialmente especialistas, nas diferentes regiões do Brasil.
Formação e especialização médica
De acordo com o levantamento, até dezembro de 2024 o país contava com 597.428 médicos registrados, dos quais 59,1% (353.287) possuem ao menos um título de especialidade, enquanto 40,9% (244.141) são médicos generalistas. A proporção de especialistas no Brasil ainda está ligeiramente abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 62,9%.
As sete especialidades mais comuns — Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia, Cardiologia e Ortopedia/Traumatologia — concentram 50,6% de todos os especialistas do país. O dado reforça a predominância de especialidades tradicionais e de alta demanda nos serviços de saúde.
Em relação à forma de titulação, 63,7% dos títulos foram obtidos via Residência Médica, enquanto os demais 36,3% foram concedidos por meio de exames de titulação das sociedades vinculadas à AMB. O estudo também aponta que 79,1% dos médicos especialistas possuem apenas um título, enquanto 20,9% acumulam dois ou mais títulos em diferentes áreas.
Distribuição desigual e concentração regional
A distribuição dos especialistas permanece profundamente desigual. O Distrito Federal apresenta a maior proporção de especialistas em relação ao total de médicos (72,2%), seguido por Rio Grande do Sul (67,9%). Na outra ponta, Rondônia (46,5%) e Piauí (45,1%) registram os menores percentuais.
Do ponto de vista regional, a Região Sudeste concentra 55,4% dos médicos especialistas do país, apesar de abrigar cerca de 42% da população brasileira. As demais regiões apresentam os seguintes percentuais: Sul (16,7%), Nordeste (14,5%), Centro-Oeste (7,5%) e Norte (5,9%). Essa assimetria compromete a equidade no acesso à assistência especializada e evidencia a necessidade de políticas de interiorização e incentivos à fixação profissional.
Produção cirúrgica: SUS x setor privado
A DMB 2025 inclui, pela primeira vez, um estudo aprofundado sobre a oferta de cirurgiões e a produção de cirurgias no Brasil. Foram analisados os três procedimentos cirúrgicos mais comuns: apendicectomia, colecistectomia e correção de hérnias da parede abdominal.
O levantamento mostra que pacientes com plano de saúde têm mais acesso a procedimentos cirúrgicos, mesmo em casos de urgência. A taxa de apendicectomia foi 100 por 100 mil habitantes na rede privada, contra 74,45 por 100 mil no SUS, uma diferença de 34,4%. Para a colecistectomia, o setor privado apresentou uma taxa 58,7% maior que o SUS. A maior disparidade ocorreu nas cirurgias de hérnia abdominal: 401,41 por 100 mil no setor privado, 86,6% acima da taxa do SUS (215,07).
A análise da atuação dos cirurgiões revela que 72% trabalham nos dois setores (público e privado), 20% atuam exclusivamente no setor privado e apenas 8% atuam exclusivamente no SUS. Esses dados indicam um desequilíbrio na disponibilidade de especialistas para o atendimento público e ressaltam a importância de reestruturar o modelo de parcerias público-privadas para ampliar o acesso a cirurgias no SUS.
Participação feminina na medicina brasileira
A edição de 2025 marca um ponto histórico: pela primeira vez, as mulheres serão maioria entre os médicos no Brasil, com projeção de 50,9% em 2025 e 56% até 2035. Em 2010, elas representavam apenas 41%.
O crescimento também é visível na formação: as mulheres representavam 53,7% dos matriculados nos cursos de Medicina em 2010, e esse número chegou a 61,8% em 2023. No entanto, a presença feminina ainda é desigual entre especialidades. Das 55 reconhecidas, apenas 20 têm maioria feminina. Dermatologia lidera com 80,6% de mulheres, seguida por especialidades como Pediatria e Endocrinologia.
Atlas da Demografia Médica
Uma inovação desta edição é o lançamento do Atlas da Demografia Médica, que apresenta um mapeamento detalhado da distribuição dos médicos por especialidade e por estado. A ferramenta oferece dados essenciais para a formulação de políticas de saúde, programas de residência e estratégias de alocação de recursos.
Considerações finais
Segundo César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, o estudo é “de inestimável importância para compreender o cenário da medicina nacional, garantir a qualidade da assistência prestada e embasar políticas públicas eficazes”.
A DMB 2025 é fruto de um esforço coletivo de 22 pesquisadores da FMUSP, em parceria com o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Ministério da Educação (MEC), a FAPESP e a própria AMB. Com dados provenientes da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM/MEC) e das sociedades de especialidade, o estudo representa um marco no monitoramento e no planejamento da força de trabalho médica no Brasil.
