O recente falecimento da cantora e apresentadora Preta Gil, aos 50 anos, em decorrência de um câncer colorretal, trouxe à tona um fenômeno que vem preocupando a comunidade médica internacional: o aumento expressivo desse tipo de câncer em indivíduos com menos de 50 anos. Diagnosticada em 2023, aos 48 anos, a artista se tornou um dos rostos mais conhecidos de uma estatística alarmante que vem ganhando atenção nos últimos anos.
O câncer colorretal, que acomete o intestino grosso (cólon) e o reto, historicamente tem sido mais prevalente em pessoas acima dos 60 anos. No entanto, pesquisas em diversos países vêm demonstrando um crescimento significativo da incidência entre adultos mais jovens. Nos Estados Unidos, por exemplo, estudos indicam que 20% dos diagnósticos em 2019 ocorreram em pacientes com menos de 55 anos — o dobro da taxa observada em 1995. Entre os pacientes com menos de 50 anos, o crescimento anual de diagnósticos em estágio avançado chega a 3%, segundo dados da Sociedade Americana de Câncer.
A tendência tem se repetido em outros países desenvolvidos, como o Reino Unido. No Brasil, embora os números absolutos ainda sejam menores, a curva de crescimento preocupa. De acordo com levantamento feito por Marianna Cancela, epidemiologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca), a incidência da doença entre homens de 20 a 49 anos subiu de 5 para 6 casos por 100 mil habitantes entre os anos de 2000 e 2017 — variação considerada estatisticamente significativa. Entre as mulheres jovens, também se observa uma elevação, embora ainda não significativa do ponto de vista estatístico.
Esse crescimento vem sendo observado em paralelo ao aumento de mortalidade futura por câncer colorretal, o que contrasta com a tendência de queda na mortalidade de outros tipos de câncer. Projeções indicam que, entre 2026 e 2030, o câncer colorretal será o terceiro tipo com maior perda de anos de vida produtiva em homens e mulheres, atrás apenas de câncer de pulmão, estômago, mama e colo de útero, dependendo do sexo.
O oncologista clínico Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or e professor titular da Faculdade de Medicina da USP, alerta que a taxa de crescimento da incidência entre os jovens pode chegar a 70% quando comparada às taxas de 30 anos atrás. Estudo publicado pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), do qual é diretor, também constatou uma elevação de aproximadamente 15% na chegada de pacientes mais jovens ao serviço em um período de 10 anos — número que, segundo ele, provavelmente está subestimado.
Possíveis causas: entre hipóteses e transformações sociais
Ainda não há uma explicação definitiva para o aumento da incidência em adultos jovens, mas especialistas apontam hipóteses relacionadas às mudanças no estilo de vida moderno. O padrão alimentar pobre em fibras e rico em produtos ultraprocessados, a crescente prevalência do sedentarismo e a epidemia de obesidade são fatores frequentemente mencionados.
O oncologista Samuel Aguiar Jr., do A.C. Camargo Cancer Center, enfatiza o impacto dessas transformações alimentares. “Se essa hipótese se confirmar, estamos diante de um quadro alarmante, uma vez que os produtos industrializados se tornaram a base da alimentação moderna, inclusive da merenda escolar das crianças.”
Além da dieta e do sedentarismo, outros fatores estão em investigação, como o uso indiscriminado de antibióticos — tanto na medicina humana quanto na produção animal. Estudos recentes sugerem que esse uso pode estar associado a alterações na microbiota intestinal e ao aumento do risco de desenvolvimento de neoplasias no cólon e no reto.
Diagnóstico precoce: desafios e estratégias de rastreamento
Diante da mudança no perfil dos pacientes acometidos, alguns países já ajustaram suas políticas de rastreamento. Desde 2021, os Estados Unidos recomendam que todos os indivíduos iniciem a triagem para câncer colorretal a partir dos 45 anos, e não mais aos 50.
No Brasil, ainda não há um programa nacional de rastreamento populacional semelhante ao que ocorre com o câncer de mama (mamografia) ou de colo uterino (papanicolau). No entanto, o Inca estuda a implementação de um programa específico para o câncer colorretal.
Duas estratégias diagnósticas são amplamente utilizadas:
- Exame de sangue oculto nas fezes: simples, barato e de fácil aplicação, esse exame é recomendado como triagem inicial. Um resultado positivo não significa, necessariamente, a presença de um tumor, mas indica a necessidade de investigação complementar.
- Colonoscopia: considerado o exame padrão-ouro, permite a visualização direta do interior do intestino grosso e, se necessário, a remoção de pólipos — lesões que podem se transformar em câncer com o tempo.
Segundo os especialistas, uma estratégia eficiente de rastreamento em larga escala deve seguir o modelo em funil: todos os indivíduos a partir de 45 anos seriam submetidos ao exame de sangue oculto nas fezes anualmente. Apenas os casos com achados positivos seriam encaminhados para a colonoscopia, reduzindo a sobrecarga dos serviços especializados.
Essa abordagem permitiria otimizar os recursos do sistema de saúde, considerando a complexidade logística da colonoscopia — que exige sedação, preparo intestinal e disponibilidade de profissionais capacitados.
Avanços no tratamento e prognóstico
Apesar da crescente incidência entre os mais jovens, o prognóstico do câncer colorretal vem melhorando significativamente. O aprimoramento das técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de novas drogas, como os quimioterápicos e imunoterápicos, têm ampliado as possibilidades terapêuticas.
De acordo com o Dr. Paulo Hoff, quando detectado precocemente, o câncer colorretal tem chances de cura superiores a 95%. Mesmo nos casos mais graves, com metástases, a sobrevida dos pacientes aumentou de forma relevante. “Nos anos 1990, o diagnóstico de câncer colorretal metastático era praticamente uma sentença de morte. Hoje, temos pacientes curados, o que representa uma mudança total de perspectiva.”
Sintomas e atenção à saúde intestinal
A principal recomendação dos especialistas é a vigilância ativa sobre possíveis sintomas, mesmo entre jovens e adultos sem histórico familiar da doença. Sinais de alerta incluem:
- Presença de sangue nas fezes;
- Alterações persistentes no ritmo intestinal (diarreia ou constipação);
- Cólicas abdominais recorrentes;
- Sensação de evacuação incompleta;
- Perda de peso sem causa aparente.
Qualquer alteração deve ser motivo para procurar avaliação médica especializada.