A decisão da Assembleia Nacional da França, que aprovou um projeto de lei autorizando a eutanásia, reacendeu o debate global sobre o direito à morte assistida, inclusive no Brasil. O texto, ainda pendente de aprovação pelo Senado francês, permite que adultos maiores de 18 anos, residentes no país, possam solicitar a eutanásia desde que atendam a critérios rigorosos.
Entre os requisitos estão:
- Ser maior de idade;
- Nacionalidade francesa ou residência no país;
- Pedido livre, consciente e informado;
- Sofrer de doença grave, incurável, em estágio avançado ou terminal;
- Estar submetido a sofrimento físico ou psicológico intenso e irreversível.
Além disso, o projeto de lei francês garante que médicos possam exercer a objeção de consciência, recusando-se a realizar o procedimento, caso não concordem por razões pessoais, éticas ou religiosas.
Eutanásia no Brasil: cenário atual
No Brasil, a prática da eutanásia ativa permanece proibida, sendo considerada crime de homicídio, de acordo com o artigo 121 do Código Penal. No entanto, desde 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza a ortotanásia, que consiste na suspensão de tratamentos desproporcionais ou inúteis em pacientes terminais, desde que haja consentimento do paciente ou da família e que sejam seguidos critérios éticos e legais.
A ortotanásia permite que o processo natural da morte ocorra, sem intervenções que apenas prolonguem o sofrimento, mas não permite a indução ativa da morte.
Reflexões e entraves no Brasil
Para o presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), Raul Canal, a decisão francesa pode impulsionar uma discussão mais madura no Brasil sobre os limites da autonomia do paciente, especialmente considerando o envelhecimento populacional e o crescimento das doenças crônicas e degenerativas.
“É preciso tratar o tema da morte assistida com responsabilidade, sem tabus ou simplificações. O direito à vida não pode ser interpretado como obrigação de prolongamento artificial da existência em situações de sofrimento extremo”, afirmou Canal.
Apesar de discussões esporádicas no Congresso Nacional, a eutanásia e o suicídio assistido nunca avançaram legalmente no Brasil. O Projeto de Lei nº 125, de 1996, propunha a descriminalização da prática, e o PL nº 236, de 2012, sugeria penas mais brandas para eutanásia quando realizada com consentimento e por compaixão, mas ambos seguem paralisados.
O desafio de um marco legal claro
A ausência de legislação específica gera insegurança jurídica tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde, além de deixar o tema suscetível a interpretações morais, culturais e religiosas.
“Precisamos avançar para um marco legal que traga segurança jurídica tanto para pacientes quanto para médicos, estabelecendo critérios claros, protocolos rigorosos e mecanismos de controle”, defende Raul Canal.
Enquanto países como França, Bélgica, Holanda, Canadá e Espanha caminham na direção da regulamentação da eutanásia ou do suicídio assistido, o Brasil permanece em um debate social e ético ainda carregado de resistência, especialmente de grupos religiosos e conservadores.