“Não vejo sentido em morrer de forma lenta e dolorosa. Eu quero decidir como vou partir.”
Essas foram as palavras de Wayne Hawkins, 80 anos, em seus últimos momentos de vida.
Na manhã ensolarada de San Diego, Califórnia, Wayne recebeu a equipe da BBC em sua casa para um momento íntimo e irreversível: sua morte assistida. Diagnosticado com uma doença terminal e enfrentando dores constantes, ele optou por pôr fim ao sofrimento com dignidade, amparado pela legislação californiana.
Ao seu lado, sua esposa Stella, com quem compartilhou mais de 50 anos de vida, e suas filhas Emily e Ashley. Os últimos dias foram de despedidas, memórias e aceitação.
A decisão pela morte assistida
Wayne já havia decidido semanas antes que aquele seria seu último dia. Ele não queria prolongar o sofrimento que já lhe tirava a mobilidade e a paz. Tinha insuficiência cardíaca em estágio terminal, câncer de próstata, problemas hepáticos e infecções recorrentes. Para ele, viver preso a tubos, sondas e morfina era algo inaceitável.
“Prefiro morrer na rua do que em um hospital”, declarou. E sua esposa concordava: “Eu o conheço há mais de meio século. Ele sempre foi decidido. Não quero vê-lo sofrendo assim.”
Nos Estados Unidos, a morte assistida é legal em alguns estados, incluindo a Califórnia. O paciente precisa comprovar, com a avaliação de dois médicos, que tem menos de seis meses de vida e plena capacidade mental para tomar a decisão. A medicação é administrada pelo próprio paciente.
O ritual da despedida
Às 10h da manhã, Wayne já havia tomado medicamentos contra náuseas, preparando-se para o composto letal. O Dr. Donnie Moore, médico responsável, misturou as drogas com suco de abacaxi e cereja, para suavizar o gosto amargo. O líquido cor-de-rosa foi entregue a Wayne, que o tomou sem hesitar.
“Boa noite”, disse, com seu humor sutil de sempre.
Dois minutos depois, declarou que estava com sono. Em poucos instantes, caiu em um sono profundo. Às 12h22, o Dr. Moore anunciou: “Acho que ele está morto. Agora, ele está em paz.”
Do lado de fora, o pássaro que costumava irritá-lo com seu canto noturno havia se calado. “Acabaram as dores”, disse Stella, abraçando as filhas.
Entre a autonomia e a ética
O caso de Wayne reabre o debate sobre a legalização da morte assistida em outros países, como o Reino Unido. Um projeto de lei em tramitação propõe permitir a prática para pacientes terminais com menos de seis meses de vida, desde que duas avaliações médicas e declarações formais confirmem a decisão consciente.
A proposta divide opiniões. Para alguns, trata-se de um direito individual inalienável: o de decidir como e quando morrer. Para outros, há riscos de pressão sutil sobre os mais vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência ou em situação de fragilidade emocional.
Médicos como o Dr. Vincent Nguyen, especialista em cuidados paliativos, alertam para o que chamam de “coerção silenciosa”: o risco de que a legalização da prática leve pacientes a sentir que morrer é sua única saída.
“Em vez de encurtar vidas, precisamos cuidar melhor delas”, diz Nguyen.
Vidas diferentes, decisões diferentes
Nem todos os pacientes terminais optam pela morte assistida. Michelle e Mike Carter, ambos diagnosticados com câncer, preferem continuar com os cuidados paliativos. “Tenho fé e boa medicina ao meu lado. Quero partir naturalmente”, afirma Michelle.
Ativistas como Ingrid Tischer, que vive com distrofia muscular e insuficiência respiratória, temem que a legalização da prática reforce a ideia de que pessoas com deficiência não merecem apoio para viver — mas sim ajuda para morrer.
Além disso, críticas apontam que, uma vez legalizada, há o risco de um “afrouxamento” progressivo dos critérios. Na Califórnia, por exemplo, o período de reflexão entre os dois pedidos formais foi reduzido de 15 dias para apenas 48 horas.
Reflexões finais
A morte de Wayne Hawkins foi tranquila, cercada de amor e respeito. Mas seu caso não é apenas uma história pessoal. É também parte de um debate global sobre dignidade, autonomia, cuidados e limites éticos.
A cada dia, mais países enfrentam a difícil pergunta: até onde deve ir o direito de alguém sobre a própria morte?
Wayne acreditava que escolher como morrer era uma extensão do direito de viver com dignidade. Seu legado é um convite à reflexão.
Se você ou alguém que conhece precisa de apoio emocional, procure ajuda:
- CVV – Centro de Valorização da Vida: 188 (atendimento gratuito e 24h)
- Chat Pode Falar (Unicef): para jovens de 13 a 24 anos
- SAMU: 192
- Polícia Militar: 190
- CAPS e UBS: atendimento gratuito pelo SUS
- Abrases: apoio para enlutados por suicídio
- Mapa da Saúde Mental: encontre serviços gratuitos em sua cidade
(com informações BBC)