Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicaram um estudo que aponta o potencial do canabidiol (CBD) para amenizar sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os resultados, divulgados na revista Pharmacology Biochemistry and Behavior, mostraram que o tratamento agudo com CBD foi capaz de reverter déficits cognitivos, aumentar a sociabilidade e reduzir comportamentos compulsivos em camundongos usados como modelos da condição.
O que é o TEA e quais os desafios atuais
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que atinge cerca de 2,4 milhões de pessoas no Brasil (1,2% da população, segundo o Censo de 2022). Os sintomas mais comuns incluem déficits de comunicação e interação social, além de comportamentos estereotipados e repetitivos.
De acordo com o pós-doutorando João Francisco Cordeiro Pedrazzi, responsável pela pesquisa na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) sob supervisão do professor José Alexandre Crippa, os tratamentos disponíveis atualmente se restringem a intervenções comportamentais e educacionais, associadas a medicamentos como antipsicóticos, antidepressivos e estimulantes. Esses fármacos, segundo ele, apresentam efeitos colaterais relevantes e não conseguem prevenir ou reverter a complexidade dos sintomas.
Como foi feito o estudo
Para reproduzir características do TEA em camundongos, os pesquisadores expuseram os animais ao ácido valproico (VPA) ainda na fase embrionária, o que resultou em déficits cognitivos, redução da interação social e estereotipias — padrões repetitivos de comportamento.
Em seguida, os animais receberam tratamento com CBD e foram submetidos a diferentes testes comportamentais:
- Teste de Inibição Pré-Pulso (PPI): avalia a capacidade do cérebro de filtrar estímulos relevantes. O VPA prejudicou esse processamento, mas o CBD restabeleceu a função.
- Teste de Marble Burying (enterrar bolinhas): mede comportamentos compulsivos. O CBD reduziu o número de bolinhas enterradas, sugerindo efeito anticompulsivo.
- Teste de Interação Social: o CBD aumentou a sociabilidade dos camundongos.
- Teste de Reconhecimento de Objetos: apontou melhora cognitiva, já que os animais passaram a reconhecer e explorar mais objetos novos.
Perspectivas e importância clínica
Os resultados indicam que o CBD foi capaz de neutralizar a maioria dos prejuízos comportamentais causados pela exposição ao VPA, abrindo margem para novos estudos.
Apesar do potencial, Pedrazzi alerta que os experimentos foram realizados em animais. A translação para humanos exige cautela e mais pesquisas clínicas robustas. Ele destacou que o grupo já finalizou um estudo clínico em crianças com TEA, comparando CBD a placebo, e que os resultados devem ser divulgados em breve.
Cenário no Brasil e uso atual do CBD
No Brasil, o uso de medicamentos à base de canabidiol vem crescendo. Em São Paulo, o SUS distribui gratuitamente CBD desde 2023. Atualmente, a prescrição do composto para TEA acontece de forma off-label (fora da indicação em bula), quando o médico avalia o risco-benefício para o paciente.
Além disso, familiares relatam experiências positivas. Um exemplo é o de “Pedro” (nome fictício), adolescente de 18 anos diagnosticado tardiamente, que apresentou melhora significativa após o início do tratamento com CBD. Embora relatos individuais não tenham força de evidência científica, eles indicam caminhos para a pesquisa.
Pedrazzi reforça a necessidade de ampliar os estudos multicêntricos e destaca que, nos últimos cinco anos, o canabidiol despontou como uma das abordagens mais promissoras para pacientes com TEA, oferecendo esperança para o futuro das terapias.