Um estudo publicado recentemente na revista iScience por pesquisadores das universidades UC Santa Cruz e UC San Francisco, nos Estados Unidos, desafia uma das crenças mais tradicionais da neurociência: a de que os neurônios mantêm uma identidade fixa após sua formação. Os resultados indicam que neurônios inibitórios podem mudar de subtipo em resposta ao ambiente, abrindo novas possibilidades para o entendimento da plasticidade cerebral.
A pesquisa foi conduzida em organoides cerebrais tridimensionais, estruturas biológicas que simulam o ambiente do cérebro humano. Ao analisar o comportamento de diferentes tipos de neurônios nesse contexto, os cientistas observaram que células inibitórias do tipo somatostatina se transformaram em neurônios positivos para parvalbumina (PV+), proteína ligada à regulação de informações neurais rápidas e associada a condições como autismo e esquizofrenia.
Implicações para o estudo do cérebro e das doenças neurológicas
Segundo o primeiro autor do estudo, Mohammed Mostajo-Radji, do Instituto de Genômica da UC Santa Cruz, a descoberta “nos faz repensar como os neurônios são formados e influenciados pelo ambiente”. A observação da plasticidade de destino celular abre caminhos para novas abordagens terapêuticas, além de oferecer modelos mais realistas para o estudo de doenças neurológicas e psiquiátricas.
Tradicionalmente, os neurônios eram classificados de forma rígida em tipos como motores, sensoriais e interneurônios, com funções fixas. No entanto, os resultados sugerem que, ao menos em condições específicas, a identidade neuronal pode ser maleável — um conceito que revoluciona o entendimento sobre o desenvolvimento cerebral e potencial de reprogramação celular.
Organoides 3D: uma nova fronteira
A utilização de organoides 3D foi essencial para o sucesso do experimento. Esses modelos replicam de forma mais fiel a complexidade do ambiente cerebral em comparação com as culturas celulares planas. A produção inédita de neurônios PV+ in vitro representa um avanço significativo, tanto para a compreensão da função neural quanto para o desenvolvimento de tratamentos personalizados.
Os pesquisadores agora buscam identificar as vias genéticas e fatores ambientais responsáveis por essas mudanças, além de estudar a possibilidade de replicar o fenômeno em neurônios excitatórios.
Futuro da neurociência: plasticidade, modelos vivos e terapias regenerativas
A capacidade de reproduzir a plasticidade neuronal em laboratório pode, futuramente, possibilitar terapias de regeneração usando células do próprio paciente. Isso pode beneficiar especialmente indivíduos com lesões cerebrais ou distúrbios do neurodesenvolvimento.
Como afirma Mostajo-Radji: “Talvez isso já tenha acontecido no cérebro real e tenha passado despercebido. Agora temos uma nova janela para explorar.”