A leucovorina, medicamento usado para reduzir efeitos colaterais da quimioterapia, ganhou repercussão após o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promovê-la como possível tratamento para o autismo. A substância, já aprovada pela FDA (agência reguladora norte-americana), está sendo avaliada para uso em crianças com deficiência cerebral de folato, condição que pode provocar atrasos no desenvolvimento, dificuldades de comunicação, processamento sensorial e comportamentos repetitivos.
O caso de José Morales-Ortiz, de 4 anos, trouxe esperança a familiares. Diagnosticado com autismo severo, o menino apresentou avanços significativos na fala após iniciar o uso da leucovorina. Seu responsável, Keith Joyce, atribui as melhorias ao medicamento.
Na coletiva em que anunciou a intenção da FDA de alterar o rótulo do fármaco para incluir a deficiência de folato cerebral, Trump destacou a possibilidade de uma nova opção terapêutica. Contudo, no mesmo evento, o ex-presidente também fez alegações infundadas sobre o paracetamol e vacinas, o que gerou críticas da comunidade científica e de associações ligadas ao autismo.
A ciência por trás da leucovorina
A hipótese é que o medicamento auxilie pacientes com deficiência de folato cerebral, em que anticorpos impedem o transporte dessa vitamina para o cérebro. O folato é essencial para o desenvolvimento neural, e sua carência pode impactar a função cognitiva.
Estudos iniciais mostraram que crianças com autismo apresentam, em grande parte, esses anticorpos. Pesquisadores como Richard Frye, neurologista pediátrico, relatam melhora em linguagem e comunicação em crianças tratadas com leucovorina. Ensaios clínicos em países como França, Índia, Singapura e China reforçaram esses resultados, embora em grupos pequenos.
Ainda assim, especialistas pedem cautela. Segundo o Dr. David Mandell, da Universidade da Pensilvânia, os resultados disponíveis são modestos: em um estudo chinês, a melhora foi de apenas um ponto em uma escala de 60.
Segurança e riscos
Embora considerada segura por ser uma forma de vitamina B9, a leucovorina pode causar efeitos colaterais como náusea, diarreia, perda de apetite e, em alguns casos, aumento de convulsões em crianças que já usam medicamentos anticonvulsivantes. Pode também intensificar sintomas de hiperatividade.
No caso de José, houve aumento temporário de agitação, mas considerado tolerável.
Desafios e riscos do uso sem supervisão
A aprovação acelerada da FDA gera debates. Especialistas alertam que o medicamento ainda não passou por grandes ensaios clínicos controlados com placebo — exigência padrão para novas indicações. Além disso, grupos de pais em redes sociais têm buscado alternativas por conta própria, adquirindo suplementos de ácido folínico sem prescrição, que contêm doses muito menores e podem trazer riscos pela presença de aditivos.
Joyce, responsável por José, criou o grupo “Leucovorina para Autismo” no Facebook, que já reúne mais de 10 mil pessoas. Ele reforça a importância de supervisão médica e alerta contra soluções improvisadas.
Apesar das limitações, relatos como o de José alimentam a esperança de familiares. Pesquisadores defendem que mais estudos são necessários para comprovar eficácia e segurança em larga escala.