Proposta que amplia a licença para 15 dias avança na Câmara, mas especialistas e organizações civis defendem períodos mais longos para promover equidade de gênero e desenvolvimento infantil.
A Câmara dos Deputados aprovou, em julho, o regime de urgência para o Projeto de Lei nº 3.935/2008, que propõe a ampliação da licença-paternidade de cinco para 15 dias. Com essa decisão, a matéria poderá ser votada diretamente no plenário, sem necessidade de tramitação nas comissões temáticas, acelerando seu andamento legislativo.
A proposta é discutida há 17 anos no Congresso Nacional e ganha força após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar, em dezembro de 2023, que o Legislativo tem até julho de 2025 para regulamentar a licença-paternidade conforme previsto na Constituição Federal de 1988.
Atualmente, a legislação brasileira garante apenas cinco dias de afastamento remunerado aos pais. Empresas que participam do Programa Empresa Cidadã podem oferecer até 20 dias. Com a mudança, o Brasil passaria a atender ao padrão mínimo recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que sugere ao menos 14 dias.
No entanto, entidades da sociedade civil, como a Coalizão Licença-Paternidade (CoPai), consideram o período proposto insuficiente e defendem projetos que estipulam licenças de 30 a 60 dias, buscando promover uma mudança mais profunda na cultura da paternidade e na corresponsabilidade parental.
Impactos positivos da ampliação da licença-paternidade
Estudos acadêmicos reunidos pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP (Made-USP) mostram que a ampliação da licença-paternidade traz benefícios diretos não apenas para os pais, mas também para mães, crianças, empresas e a sociedade em geral.
Entre os efeitos observados:
- Mercado de trabalho: a licença-paternidade estendida não impacta negativamente a carreira dos pais, e está associada a melhorias nos rendimentos e na empregabilidade das mães no curto e médio prazo.
- Divisão do trabalho doméstico: pais que usufruem da licença tendem a se engajar mais nas tarefas de cuidado com os filhos e nas atividades domésticas, com impactos de longo prazo no equilíbrio entre os gêneros.
- Desenvolvimento infantil: o vínculo entre pai e filho é fortalecido, com efeitos positivos na cognição, comportamento e desempenho escolar da criança.
- Fertilidade: políticas de licença-paternidade podem contribuir para aumentar as taxas de natalidade em países com desigualdade de gênero e baixa cobertura de políticas públicas de cuidado infantil.
- Empresas: companhias que oferecem licenças maiores registram aumento no engajamento dos funcionários, melhoria na retenção de talentos e maior apreciação por parte das famílias.
Exemplos práticos e experiências de empresas
Multinacionais como a Diageo, fabricante de bebidas, oferecem desde 2019 uma licença-paternidade de seis meses para seus funcionários. Rodrigo Mieldazis, gerente da empresa e pai de duas meninas, relatou que o afastamento permitiu estreitar vínculos familiares e adquirir novas habilidades, como o cuidado diário das filhas e a participação ativa no ambiente doméstico.
No Brasil, empresas como a Totvs também têm adotado políticas mais progressistas. Desde 2022, oferece 40 dias de licença-paternidade. Até o momento, quase 800 colaboradores já utilizaram esse benefício.
Obstáculos para a regulamentação
Apesar dos avanços, a proposta enfrenta resistências, especialmente de setores empresariais. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) manifestou preocupação com o impacto da medida, sobretudo para micro e pequenas empresas. A entidade defende que qualquer ampliação seja feita por meio de programas específicos ou via negociação coletiva.
Outro desafio é o fato de que a licença-paternidade, como está hoje, se aplica apenas aos trabalhadores formais. Pesquisadores defendem que o benefício seja estendido a todos os pais, independentemente do regime de trabalho, o que exigiria maior envolvimento do Estado.
Trâmite legislativo e próximas etapas
O projeto com urgência aprovada tramita com mais de 100 propostas apensadas, entre elas o texto apoiado por entidades da sociedade civil que propõe ampliação gradual da licença: 30 dias nos dois primeiros anos, 45 dias nos dois seguintes, até alcançar 60 dias. Em caso de ausência da figura materna, a licença poderia chegar a 120 dias.
No Senado, outro projeto semelhante, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos, com relatoria da senadora Damares Alves. O texto aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Caso não haja deliberação no Congresso até julho de 2025, o STF poderá definir o período de licença por decisão judicial, conforme estipulado em sua decisão de dezembro de 2023.
A criação de uma Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade, com representação de diferentes espectros políticos, reforça o caráter transversal do tema, que mobiliza não apenas o campo jurídico, mas também questões de saúde pública, equidade de gênero e proteção à infância.