No século 19, sugerir que médicos lavassem as mãos era visto como uma ofensa. A ideia insinuava que suas mãos estivessem sujas, algo incompatível com o status de “cavalheiros”. O obstetra húngaro Ignaz Semmelweis enfrentou essa resistência em 1847, quando implementou a lavagem das mãos com solução de cal e cloro no Hospital Geral de Viena. O resultado foi impressionante: a mortalidade materna caiu de 18,3% para 2% em apenas um mês. Ainda assim, sua teoria foi rejeitada, e ele acabou internado em um manicômio.
Enquanto isso, infecções hospitalares seguiam ceifando vidas. Em Londres, o jovem anatomista John Phillips Potter morreu de septicemia após um ferimento durante uma dissecção. Entre os estudantes que assistiram ao enterro estava Joseph Lister, que mais tarde se tornaria o pioneiro da cirurgia antisséptica.
O desafio das infecções
Naquela época, a taxa de mortalidade após grandes operações ou amputações era de cerca de 40% — chegando a 60% em hospitais franceses. As infecções se espalhavam com facilidade, e os hospitais eram vistos como locais de risco, apelidados de centros de “febre de sala” ou “hospitalismo”.
Lister, profundamente impactado pelo problema, buscou soluções. Inspirado pelos estudos de Louis Pasteur sobre microrganismos, teve a ideia de usar um “escudo antisséptico” para proteger feridas contra os micróbios do ar. Em 1865, ele aplicou a técnica em um menino de 11 anos, James Greenless, vítima de fratura exposta. Utilizando ácido carbólico para limpar mãos, instrumentos e curativos, conseguiu evitar a infecção. Seis semanas depois, o menino recebeu alta totalmente recuperado.
A revolução antisséptica
Lister passou a aplicar o método em outros pacientes. Em 1867, publicou na revista The Lancet o artigo “Um novo método para tratar fraturas expostas”, marco da cirurgia moderna. Com a técnica, amputações foram evitadas, abscessos puderam ser drenados e operações antes impensáveis passaram a ser realizadas.
A princípio, houve resistência, especialmente no Reino Unido e nos Estados Unidos. Mas os resultados falaram mais alto. Em 1871, Lister foi chamado para operar a rainha Vitória e, na década seguinte, seu método já estava difundido pela Europa. Em 1876, levou suas ideias aos Estados Unidos, onde inspirou Joseph Joshua Lawrence a criar o antisséptico Listerine e Robert Wood Johnson a fundar, junto com os irmãos, a Johnson & Johnson, fabricante de curativos e suturas estéreis.
O legado de Lister
Ao final do século 19, os métodos de Lister levaram à cirurgia asséptica: esterilização de instrumentos, uso de luvas de borracha e lavagem das mãos obrigatória. A mortalidade cirúrgica despencou, e operações internas complexas tornaram-se rotina.
Lister também contribuiu isolando bactérias em cultura pura e introduzindo tubos de borracha para drenagem de feridas. Mas sua principal marca foi ter dividido a história da cirurgia em duas eras: antes e depois dele.