O câncer de próstata é o tumor mais frequente entre homens no Brasil, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma. Diante desse cenário, a busca por técnicas cirúrgicas eficazes, seguras e acessíveis torna-se um desafio estratégico para os sistemas de saúde públicos e privados, especialmente no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).
A prostatectomia radical, procedimento cirúrgico com intenção curativa que remove completamente a próstata, passou por avanços significativos nas últimas décadas, impulsionados por inovações tecnológicas e pelo refinamento do conhecimento anatômico. No entanto, a incorporação dessas evoluções ocorre de forma desigual entre países e instituições.
Nos anos 1980, o urologista Patrick Walsh promoveu uma mudança histórica ao demonstrar que era possível preservar os feixes nervosos responsáveis pela ereção durante a cirurgia, reduzindo complicações e melhorando a qualidade de vida pós-operatória. Já na década de 1990, a laparoscopia representou um novo salto, com incisões menores e recuperação mais rápida, embora sua elevada complexidade técnica tenha limitado sua ampla disseminação.
A era da robótica e seus limites
A introdução da cirurgia robótica nos anos 2000, especialmente com o sistema da Vinci, ampliou a precisão dos movimentos cirúrgicos, proporcionou visão tridimensional e facilitou a execução da prostatectomia laparoscópica. Entretanto, os altos custos de aquisição, manutenção e instrumentais descartáveis restringiram sua expansão em países de renda média, como o Brasil.
Estudos científicos indicam que os resultados oncológicos e funcionais da cirurgia robótica são equivalentes aos da cirurgia aberta tradicional, sendo a principal vantagem a recuperação mais rápida, e não necessariamente maior taxa de cura.
Inovação sem tecnologia dispendiosa
Diante desse contexto, uma equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), propôs uma solução inovadora: seria possível incorporar os benefícios técnicos da cirurgia robótica à cirurgia aberta, sem recorrer a equipamentos caros?
A resposta foi o desenvolvimento da técnica AORP (Open Anterograde Anatomic Radical Prostatectomy), criada em 2015 após ampla revisão das abordagens aberta, laparoscópica e robótica. A técnica se baseia em três pilares fundamentais: dissecção anterógrada, preservação do colo vesical e da uretra abdominal, e anastomose contínua conforme a técnica de Van Velthoven.
Com esses fundamentos, os pesquisadores conseguiram reproduzir a lógica da cirurgia robótica utilizando apenas instrumentos convencionais, sem custos adicionais. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital e registrado na plataforma ClinicalTrials.
Evidências clínicas consistentes
Após um estudo piloto com dez pacientes, a equipe conduziu um ensaio clínico randomizado com 240 pacientes entre 2016 e 2019. Os resultados demonstraram benefícios relevantes da AORP, incluindo menor perda sanguínea, redução do tempo de anastomose, menor período de uso de sonda urinária e recuperação urinária significativamente mais rápida.
Em 30 dias, 60,9% dos pacientes submetidos à AORP apresentavam continência urinária, contra 42% no grupo operado pela técnica tradicional. Houve ainda menor taxa de complicações e maior preservação nervosa, aspecto essencial para a função sexual. No controle oncológico, as duas técnicas apresentaram resultados equivalentes.
Estudos adicionais reforçam esses achados. Um seguimento de cinco anos, em fase final de publicação, confirmou controle oncológico idêntico entre a AORP e a técnica tradicional. Outro estudo retrospectivo, comparando a AORP à prostatectomia robótica em 252 pacientes, revelou resultados semelhantes quanto ao sangramento, tempo de internação, tempo de sonda vesical e controle do câncer.
Impacto no SUS e na formação médica
Atualmente, a AORP surge como alternativa estratégica para países com acesso limitado à cirurgia robótica. Por dispensar equipamentos caros, a técnica pode democratizar o acesso a um padrão cirúrgico avançado, especialmente em serviços do SUS, onde a robótica ainda é exceção.
Comparações de custo indicam que a AORP apresenta despesas quase quatro vezes menores do que a cirurgia robótica, mantendo tempos de internação e recuperação funcional semelhantes. Essa economia é particularmente relevante para hospitais públicos, que enfrentam restrições orçamentárias crescentes.
Além de seu impacto assistencial, a técnica tem potencial pedagógico. Ao incorporar princípios robóticos à cirurgia aberta, a AORP funciona como ponte de formação para novos cirurgiões, ampliando a qualificação profissional mesmo em centros sem robótica.
O desenvolvimento da AORP evidencia a capacidade da medicina brasileira de produzir inovação com impacto internacional. A técnica já desperta interesse de pesquisadores e cirurgiões de outros países com limitações semelhantes, demonstrando que soluções acessíveis e baseadas em ciência podem transformar o cuidado em saúde e salvar milhares de vidas.

