Diagnosticar doenças raras continua sendo um desafio global e uma fonte de angústia para milhões de famílias. Apesar dos avanços da medicina, a complexidade genética e a raridade dessas condições tornam o caminho até um diagnóstico preciso um processo longo, por vezes exaustivo. Contudo, uma nova tecnologia, inspirada nas conexões cerebrais, promete transformar essa realidade: os bancos de dados em grafos.
Consideradas raras, essas doenças somam de 6 mil a 8 mil condições diferentes, afetando até 65 em cada 100 mil pessoas. No Brasil, mais de 13 milhões de pessoas convivem com alguma dessas enfermidades, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Mundialmente, estima-se que 300 milhões de pessoas estejam afetadas.
O diagnóstico, muitas vezes, leva entre 5 e 7 anos, dependendo da condição. Fatores como sintomas inespecíficos, desinformação médica, altos custos com exames genéticos e dificuldade de acesso ao SUS tornam o processo ainda mais demorado e desigual, como explica Antoine Daher, presidente da Casa Hunter e da Febrararas.
A inovação dos bancos em grafos
A tecnologia de grafos, criada pela startup Neo4j, propõe uma maneira inovadora de organizar informações: em vez de tabelas estáticas, ela conecta dados como se fossem “nós” e “ligações”, imitando as sinapses do cérebro humano. Isso permite que padrões ocultos sejam revelados em tempo real, com agilidade até 1.000 vezes superior à de bancos de dados tradicionais.
Aplicada à medicina, a tecnologia permite que sintomas, variantes genéticas, publicações científicas e históricos clínicos sejam conectados em uma rede dinâmica, otimizando a análise por especialistas e ferramentas de inteligência artificial (IA). Segundo Paulo Farias, VP da Neo4j na América Latina, isso torna possível analisar os mais de 3 bilhões de pares de DNA e mais de 6 mil doenças raras de forma mais eficiente.
Exemplo prático: Hospital Infantil Dr. von Hauner, na Alemanha
O hospital alemão implantou um Grafo de Conhecimento Clínico (CKG), que combina IA, machine learning (ML) e dados de 2.500 pacientes pediátricos. Cada paciente é representado por um “nó” no sistema, interligado a milhões de outros (sintomas, proteínas, fenótipos etc.). Ao todo, o sistema conta com 16 milhões de nós e 220 milhões de relações.
Antes da tecnologia, diagnosticar variantes genéticas desconhecidas era um processo manual que poderia levar meses. Agora, com a automação, esse tempo é significativamente reduzido. “Ainda não celebramos grandes casos individuais, mas acreditamos que essa é a direção certa para um diagnóstico mais preciso e personalizado”, afirma Daniel Weiss, chefe de BioIT do hospital.
E no Brasil?
Apesar do potencial, especialistas como Antoine Daher afirmam que a chegada da tecnologia ao Brasil enfrenta obstáculos: infraestrutura pública precária, sistemas de saúde pouco padronizados e baixo preparo para uso de IA.
Mesmo assim, há avanços. A genética médica no país já adota tecnologias como o sequenciamento de nova geração (NGS), que permite analisar múltiplos fragmentos de DNA com rapidez e maior precisão. Segundo a geneticista Vanessa Montaleone, do Hospital Sírio-Libanês, essas técnicas são uma revolução no diagnóstico.
Terapias gênicas e técnicas como o CRISPR também representam promessas no tratamento de doenças raras, embora ainda estejam em fase experimental para muitas condições.
Enquanto a tecnologia de grafos não chega oficialmente ao Brasil, a integração entre centros de pesquisa, profissionais capacitados e o SUS será essencial para transformar a jornada de diagnóstico em um caminho mais rápido, acessível e eficaz.