Um grande estudo realizado no Reino Unido, com dados de mais de 1 milhão de crianças acompanhadas entre 1987 e 2020, identificou que o uso excessivo de antibióticos nos dois primeiros anos de vida está associado a um risco maior de desenvolver asma, alergias alimentares e até deficiência intelectual.
A pesquisa, publicada na revista científica Clinical Infectious Diseases, analisou prontuários eletrônicos para avaliar os efeitos da prescrição de antibióticos em crianças pequenas. Os resultados mostraram que, entre os bebês que tomaram o medicamento antes dos 2 anos, houve aumento de 24% nos casos de asma, 33% em alergias alimentares e 6% em rinite alérgica. O risco foi ainda mais elevado entre aqueles que receberam cinco ou mais ciclos de antibióticos.
Segundo o pediatra Linus Pauling Fascina, gerente médico do Hospital Municipal Gilson de Cássia Marques de Carvalho (unidade pública administrada pelo Einstein), o estudo é um alerta para o uso racional dos medicamentos.
“Antibióticos salvam vidas, mas, quando usados em excesso e sem indicação precisa, podem modificar o futuro imunológico e neurológico das crianças”, afirmou.
Uma das descobertas mais surpreendentes foi a associação entre uso repetido de antibióticos e risco quase três vezes maior de deficiência intelectual. O especialista explica que, nos primeiros anos de vida, o intestino ainda está formando sua flora bacteriana, e o uso contínuo de antibióticos pode eliminar bactérias benéficas.
“O eixo intestino-cérebro, que regula neurotransmissores, inflamação e até plasticidade neuronal, pode ser profundamente impactado em uma fase crítica do desenvolvimento”, destacou Fascina.
Apesar das associações com doenças alérgicas e cognitivas, o estudo não encontrou relação com diabetes tipo 1, doença celíaca, TDAH, TEA ou ansiedade, reforçando que os resultados são específicos para o sistema imunológico e o desenvolvimento cerebral.
O problema, segundo Fascina, não está nos antibióticos em si, mas no uso indiscriminado — muitas vezes motivado pela pressão de pais e cuidadores em busca de soluções rápidas para gripes, febres e infecções virais, que não respondem a esse tipo de medicamento.
O especialista defende medidas como a educação médica contínua, a explicação clara aos pais sobre infecções virais e bacterianas, e a adoção da conduta “esperar e observar” quando clinicamente seguro.
Para os pais, Fascina recomenda práticas preventivas desde a gestação:
- Evitar antibióticos desnecessários durante a gravidez;
- Priorizar o parto normal sempre que possível;
- Incentivar o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses;
- Manter o calendário vacinal em dia;
- Reduzir a exposição a poluentes e ao tabagismo passivo;
- Manter uma alimentação equilibrada para mãe e bebê.
O estudo reforça a importância do uso racional de antibióticos, evitando a automedicação e reforçando o papel da orientação pediátrica na proteção da saúde infantil.