Pesquisadores brasileiros deram um passo importante no combate ao câncer ao desenvolverem uma nova versão aprimorada das células CAR-T — uma das terapias mais inovadoras na oncologia. A descoberta, publicada na revista Cancer Research, pode aumentar significativamente a eficácia da imunoterapia para pacientes com linfoma não Hodgkin e leucemia linfoblástica aguda, dois tipos agressivos de câncer hematológico.
Atualmente, cerca de metade dos pacientes submetidos ao tratamento com células CAR-T não apresenta resposta satisfatória, principalmente aqueles com tumores refratários. Nessas situações, mesmo após a reinfusão das células modificadas, os tumores voltam a crescer.
O que são as células CAR-T?
A terapia CAR-T (sigla para “receptores de antígeno quimérico em linfócitos T”) consiste em coletar células de defesa do próprio paciente, reprogramá-las em laboratório para reconhecer e atacar células tumorais, e depois reinjetá-las no organismo. Embora promissora, essa abordagem ainda encontra barreiras quando o organismo cria mecanismos que reduzem a eficácia das células modificadas.
A inovação brasileira: reforçando a ação das CAR-T
Para superar essas limitações, os pesquisadores testaram diversas substâncias que poderiam tornar as células CAR-T mais eficazes. O destaque foi para um inibidor do complexo proteico PRC2, que atua em processos epigenéticos — isto é, regula a expressão dos genes sem alterar o DNA.
“O PRC2 normalmente atua como um ‘freio’ para o sistema imune, impedindo que nossas células de defesa ataquem tecidos saudáveis. Mas no contexto do câncer, esse freio acaba protegendo o tumor. Ao inibir esse mecanismo, conseguimos liberar completamente o potencial das células CAR-T contra os tumores”, explica o pesquisador Tiago da Silva Medina, do A.C. Camargo Cancer Center, responsável pelo estudo com apoio da FAPESP.
Resultados animadores: mais eficácia e persistência
Nos testes realizados inicialmente em laboratório (in vitro) e depois em camundongos com os dois tipos de câncer, a nova versão das CAR-T mostrou uma performance muito superior. Os tumores foram eliminados com mais rapidez e de forma mais duradoura quando as células foram tratadas com o inibidor do PRC2.
Após 39 dias de tratamento, os animais que receberam as CAR-T modificadas apresentaram melhora significativa, com maior controle tumoral, em comparação aos que receberam a versão tradicional da terapia. E tudo isso foi feito com segurança: antes de aplicar as células nos animais, os pesquisadores removeram qualquer resíduo do inibidor para evitar efeitos colaterais indesejados.
Próximos passos: avaliar a segurança da terapia
Apesar dos resultados promissores, a equipe ainda precisa avaliar os potenciais efeitos colaterais da abordagem. As terapias CAR-T aprovadas atualmente já são conhecidas por causar reações inflamatórias importantes nos pacientes, e os cientistas querem garantir que a nova modificação não aumente esse risco.
“A ideia é que, se os próximos testes confirmarem a segurança, a inibição do PRC2 possa ser incorporada ao processo de fabricação das células CAR-T, elevando sua eficácia sem elevar os riscos”, afirma Maria Letícia Rodrigues Carvalho, primeira autora do estudo.
Perspectivas futuras
Essa inovação representa uma grande esperança para pacientes com câncer hematológico que hoje não respondem às terapias disponíveis. Com o avanço dos estudos pré-clínicos e futuros testes em humanos, o Brasil pode se consolidar na vanguarda mundial do desenvolvimento de terapias celulares personalizadas.